Passada a virada do ano (e depois de dois anos sem ir à Praia da Pipa) posso afirmar que aquilo que alguns chamam de “o som da Pipa”, na verdade, não existe.
Não existe porque o som da Pipa é uma concha de retalhos igual a plêiade que forma a sua constelação humana: cultura de todo tipo, cultura de todo canto, de várias idades e de idades que não existem porque não se contam mais. Comentava com Carol que uma das coisas que mais consegue, por mais tempo que faça que eu vá ali, me impressionar, é notar que o ser humano continua sendo, no ensinamento sofista de Protágoras “a medida de todas as coisas”, porque cada vez que estou ali percebo que o homem se molda, cada vez mais, tão somente, pela sua própria liberdade. Ainda que existam várias delas que possam ser consideradas ruins (ou feias) uns pelos outros.
E todos têm o som da Pipa no seu Pendrive. E andam com o som da Pipa no bolso. E se empolgam quando o som da Pipa toca em qualquer casa (mesmo a do Karalho, que também está lá) e ele, o “cara” que tem o som da Pipa diz: esse é o som da Pipa!
Mas o “cara” chega com o som da Pipa no bolso na casa de alguém que tá fazendo outro som e diz, empolgado: “vamo ouvir o som da Pipa, cara” e poe, todo empolgado, a tocar uma música muito legal, mas fica meio incomodado, quando, aos poucos, vai percebendo que não há mais empolgação. E corre lá pra mudar o Som da Pipa e fazer a coisa voltar a ser legal e ele ser, novamente, o cara que sabe o som da Pipa.
Mas não dá. Ninguém tem o som da Pipa, apesar da Pipa ter alguns sons que já são tradicionais (e olha que conheço poucos) – Mas o Bob Marley e o Peter Tosh da Praia do Amor estão lá desde que comecei a ir por aquelas praias e ainda persistem (que bom!). O bregão de altíssima qualidade (de Bartô Galeno e Fernando Mendes pra frente, que o Nativo escuta todo santo dia o dia todo na rua principal também continua, talvez pra felicidade de meu amigo James Castro, que tomou falta esse ano.
Mas a velocidade com que a Praia da Pipa funciona no final de ano reflete, aparentemente, na música: Estávamos todos ameaçados pelo “vou não, posso, não quero não, minha mulher não deixa não...”, mas o que eu percebi é que, ao menos no Réveillon, não há como nenhum outro tipo de música desbancar a eletrônica.
Nesse ano, o som da Pipa, entre tantos outros, foi “Panamericano”, talvez seguida de perto por “Miami Beach” e por “Barbra Streisend” (a música, e não a cantora, ressalte-se), “When Loves Takes Over” (David Guetta ft. Kelly Rowland) e “I know you Want me” (Pitbull – apesar de ainda ser de 2009).
Mas o som da Pipa ainda foi Los Hermanos e Rappa, no violão e passando, aqui acolá, em uma ou outra casa... foi Red Hot Chilli Peppers no Slane Castle (o DVD rolando no Laptop e a gente empolgado ao som de “By the way”, “Scar Tissue”, “Around the World” e por aí vai...). O som da Pipa foi o Trivelinha, que agora arrasta quase tanta gente quanto uma trivela comum... O som da Pipa fomos eu, Carol, Rosemberg, Waleska e Fernando Júnior, na barraca do Eleno (com “E” mesmo) às nove da manhã, afterparty (e entrando em outra), cantando “My dreams, is to fly, over the rainbow, só high! (Rise Up!)
Foi ainda, na Kalangos, o som da Pipa, Patusco, esse grupo musical do Recife que faz a coisa parecer, verdadeiramente, a Sapucaí (mas sem esquecer, nunca, as raízes pernambucanas – novas e velhas – do frevo e do manguebeat) – E ficamos, eu e Carol, com a “cereja do sorvete” ao ficarmos na meia hora final de show e ver, no meio da galera, tocarem “Zé do Caroço”, da Leci, não sem antes uma performance incrível da mini-bateria de escolha de samba que não estava recuada, mas verdadeiramente, no meio do povo.
E foi, por fim, o som da Pipa, do grande DJ Rica Amaral. Considerado por vários anos o melhor DJ do Brasil (ele foi um dos idealizadores do XXXPerience) e faz um Psy Trance (que muitas vezes pode ser complicado de ouvir) melodioso e com batidas que fazem dançar instintivamente – pode ter sido efeito de ele mesmo não querer mais nada parecido com o zumbido parecido do motorzinho que usava quando era dentista e largou a profissão para virar DJ. Empolgou a galera que ainda lotava a boate, mesmo às 7 e meia da manhã...
E daí, voltando para casa, naquela caminhada causticante nos paralelepípedos de Pipa, em direção à Casa da Farinha, para comer o peito de peru com salada na baguete, dá tempo (e chão) para retornar a ouvir o inalienável e intangível Som da Pipa recomeçando (com Bob, com Peter, com Bartô, com os destroços de Chiclete com Banana ou Asa, ou Aviões do Forró) e notar, de novo, que ninguém tem o Som da Pipa.