Bem, pra começar, quero expressar o meu mais sincero (sei que ele nem precisa, mas tudo bem) apoio a Chico César. Acho, observando os portais que noticiaram as suas declarações (reiteradas pelo Governador Ricardo Coutinho), entre os quais o Vírgula (http://virgula.uol.com.br), o Diário de Pernambuco (http://www.diariodepernambuco.com.br) e mesmo o G1 (http://g1.globo.com), que inclusive noticiou que o assunto está entre os mais comentados do país essa semana no twitter, que sua posição é correta, e em todos os sentidos: administrativo, cultural e social.
Administrativo porque entendo eu que o Poder Público tem o dever de, no mínimo, ponderar sobre os gastos que realiza, ainda que sejam em ocasiões onde a lei brasileira dispensa a salutar regra da licitação. Aliás (e eu sei que esse blog trata sobre música, mas não posso jogar na lata de lixo meus conhecimentos jurídicos) o art. 25, III da Lei 8666/93 estabelece uma via tranquila e fácil por onde passam todas as contratações artísticas, sob a proteção da inexigibilidade da licitação em virtude do artista (que nem sempre faz arte, diga-se da passagem), por singular que é na sua atuação, não poder entrar em concorrência porque somente ele pode prestar aquele serviço.
Hely Lopes, para completar, diz que, ainda que a competição esteja inviabilizada em virtude da questão personalíssima, ainda cabe à Administração justificar interesse público, legalidade e economicidade da contratação.
Quanto à legalidade, nada a dizer, porque gerar papel é facílimo na burocracia administrativa. E aliás, como o disse o próprio secretário estadual de cultura, também vejo que tais bandas (que normalmente têm milhares de patrocínios, merchandising, empresários, lobistas, políticos que apóiam, compram seus shows, outros que bancam suas apresentações - muitas vezes sob os agradecimentos reiterados, sem a menor cerimônia... - Ninguém vai ensinar o que é princípio da impessoalidade na administração pública pra Wesley Safadão, claro...) realmente "podem se prestar a irregularidades na prestação de contas por parte de administradores sem maior compromisso com o interesse público".
E mais: quando se fala de interesse público há uma grande tergiversação que deve ser esclarecida, e que o faz muito bem Celso Antônio Bandeira de Melo, dizendo existir dois tipos de interesse público, o primário e o secundário. Diz isso e, imediatamente, faz uma comparação, para facilitar a compreensão, entre interesses da Administração Pública e do Governo. O interesse público primário são as necessidades que devem ser buscadas pela Administração para prática de seu ofício, imparcialmente. Os interesses secundários (governistas) são decorrência do desempenho das suas atividades de gestão, ainda que com certa parcialidade, não objetivando fins tão nobres, mas a própria sobrevivência do erário, ainda que isto posso potencializar afronta à lei.
Dessa forma, o que tem acontecido, sistematicamente, em Campina Grande ao longo dos últimos dez anos, mais ou menos, é o absurdo do Governo se utilizar desse interesse secundário (que não é público, mas governista, com intuito de promoção pessoal e política), por meio de uma autorização legal, e, de maneira absurda, ao contrario de proteger os cofres públicos, arregaça-os às atrações que só vêm aqui uma vez por ano para assaltar os paraibanos, trazer cultura inútil e voltar felizes para o eixo Rio-São Paulo, onde têm de fazer uns 20 shows pra conseguir ganhar o que conseguem aqui numa só noite.
Querem trazer shows de cultura estranha à nossa para o São João? Concordo com Chico, novamente: Que venham, mas paguem por ele, não esperem que a Administração pague, porque o papel do Governo é promover a cultura local. Ou será que não?
A preservação do interesse público parece estar muito mais ligada à tantas e tantas obras e serviços que a população carente espera.
E ainda, sob o prisma administrativo, como demonstrar economicidade nessas contratações? Economicidade é nada mais do que o dever de eficiência do administrado na gestão do dinheiro público. José Eduardo Martins Cardozo diz que economicidade é o que determina o dever jurídico da Administração em utilizar técnicas para fazer negócios (mesmo atos unilaterais) que possibilitem a escolha objetiva da melhor alternativa existente entre as propostas ofertadas. Será que é difícil encontrar uma banda de forró que faça EXATAMENTE o que Aviões do Forró ou Garota Safada fazem, por 10% - ou menos - dos cachês que cobram (que chegam a exorbitantes 150 mil reais)?.
Então, entendo difícil de discordar, do ponto de vista administrativo, do Secretário de Cultura do Mago.
Do ponto de vista cultural e social a coisa parece ser ainda pior.
O que Chico Cesar relatou - eu eu estava lá - sobre o que aconteceu com Geraldo Azevedo, ilustra bem o desprestígio da nossa própria cultura, o que também nos coloca (nós, nossos pais, nossos filhos - se não cuidarmos dessa preservação também) como responsáveis: Geraldo Azevedo, um poeta, cantor e compositor de primeira linha, representante ímpar da cultura nordestina (artista, de verdade) parar seu show (porque o povo gritava: "Ô zezé, cadê você, eu vim aqui só pra te ver...) e dizer algo do tipo: Calma gente, que eles já vão entrar. Vocês precisam dar mais valor à cultura da nossa região. Só porque a gente não tá na novela das 8 não precisam fazer isso. Vou cantar pra vocês alguém que vocês deviam conhecer... E tacou um Jackson do Pandeiro, sob os protestos da platéia...
Costumo dizer que se Biliu tivesse nascido em Pernambuco, era um Capiba.
Se temos várias críticas ao povo de Pernambuco (é verdade, eles podem ser chatos mesmo!), por outro lado é de se louvar o que fazem em relação à valorização da própria cultura, futebol, raízes. Todo mundo sabe o espaço que dão a Biliu no São João... e de fato, ouvir Baixinho do Pandeiro, Cátia de França, Zabé da Loca, Escurinho, Beto Brito, Clã Brasil, Abdias, Dejinha de Monteiro, Aleijadinho de Pombal, Três do Nordeste, Livardo Alves, Pinto do Acordeon, Santana, Mestre Fuba, Vital Farias, Genival Lacerda, Flávio José (que só se ouve no São João) o próprio Biliu, mesmo Capilé e Niedson Lua, Fuba de Taperoá e difícil... não têm espaço, não são valorizados.
E a nossa maior festa popular deve ser utilizada para divulgação (e deleite financeiro) de cantores do eixo Rio-Minas-São Paulo? Não vejo lógica nenhuma nisso.
E, por fim, não há, de fato, identidade nenhuma desses artistas com a população local e o costume local. Alguns dizem: Não tem que ter, basta que o povo goste e pronto, tem que vir porque é uma festa popular e em festa popular deve prevalecer a multiplicidade de tendências. Ótimo, faça como em Pernambuco, que tem o marco zero como um pólo multicultural. Toca de Tudo, mas com muito, muito respeito mesmo aos artistas e atrações da terra. Em Olinda? Só sobe maracatu, frevo, manguebeat...
No ano passado, dava arrepios só de ouvir aquele sotaque Mineiro de Jorge e Mateus no São João de Patos. Me sentia em Barretos. E novamente: são artistas que, se não têm identidade com a terra, vêm porque os bolsos voltam cheios, vêm para tomar um espaço que, se já não existe na nossa pífia, cheia de jabá e ridícula programação de rádio local não pode ser apoiada pelo Governo, que tem obrigação de promover a participação intensa dos artistas da terra no período junino (e pagá-los também, porque também sabemos que têm trios de forró que ficam meses sem receber...)
Não entro muito nem no que diz respeito à qualidade da cultura(?) produzida por esses artistas(?). Mas só registro que concordo com Dominguinhos quando dizem que (muitos, não todos) são uma grande mentira. De fato. Pra mim, a cultura (e não a moda - que pode acontecer na música, tranquilamente) é aquilo que está impregnado à própria existência da sociedade, e perdura durante o tempo. Alguém pode me dizer qual a música que tocava há 3 anos atrás e que era a moda de Aviões do Forró? Não? Chupa, chupa que é de uva!!!
Pois é. Esse tipo de produção cultural irrelevante a gente chupa - e joga fora. Na verdade, melhor nem chupar, porque é bem indigesto. E depois pode vir: senta que é de menta, lamba que é de manga, beija que é de cereja, arromba que é de pitomba, mexa que é de ameixa, e vai o povo ficando idiotizado. E isso foi só o começo.
E fora toda a sorte de letras que fazem referências explícitas a sexo, a bebedeira gratuita, à consumismo descontrolado...(porque agora não existe mais sutileza não...) e o povo, as crianças, os jovens, de maneira geral, vão se aculturando com o que ouvem mesmo. E se a batida não está dando certo, se o som não é legal, muda-se, contanto que o povo, extasiado e imbecilizado, consuma. Não concordo que isso aconteça em uma festa que, em tese, presta-se à divulgação da cultura local. E o Poder Público deve também se preocupar com esse tipo de propagação deletéria.
Assim, vejo com muito bons olhos a atitude corajosa (de Chico César) e salutar para a Administração Pública e a Cultura Paraibana. Que se faça forró de plástico, funk, samba, rock, sertanejo, seja lá o que for (sou adepto da abertura cultural plena - apesar de ter ressalvas tremendas à muitos estilos, o que é diferente), mas que não seja a nossa maior festa popular o palco para tirar o espaço de quem representa, autenticamente, a cultura paraibana, tão rica e desvalorizada.
Parece que Chico César, que dança o Carimbó, o côco, cultua o forró, o xote, o xaxado, não quer, definitivamente, dançar na posição da rã - futuro hit, acredite, do São João de Plástico, que se não acontecer no Parque do Povo, acontece em outros lugares, certamente.
E para finalizar o pleito de apoio:
Nego forro quer dançar forró
Coco samba do morro
Quer dançar forró
Forró quente feito brasa de fogueira
Beijo de moça solteira
Com medo do caritó
Tum tum tum tlililingue tlilingue
E a secretária bilíngüe
Derretendo no xodó
Xale voa no cangote
Chamego de fazer dó
Dá pra ouvir a gemedeira
A sala numa nota só
É um tal de ui e ai
Mas quem tá dentro não sai
Pois é de nego forro
Esse forró
(Nego Forro - Chico César)
Mais uma vez Preto vc detonou!!
ResponderExcluirParabéns!
Abraço!
Texto que Alceu Valença publicou na página dele no facebbok:
ResponderExcluirO Forró Vivo
por Alceu Valença , quarta, 20 de abril de 2011 às 15:49Vejo com muito bons olhos – olhos atentos de quem há décadas observa os movimentos da cultura em nosso país – a iniciativa do Secretário de Cultura do Estado da Paraíba, Chico César, de “investir conceitualmente nos festejos juninos”, segundo comunicado oficial divulgado esta semana. Além de brilhante cantor e compositor, Chico tem se mostrado um grande amigo da arte também como um dos maiores gestores da cultura desse país.
A maneira mais fácil de dominar um povo – e a mais sórdida também – é despi-lo de sua cultura natural, daquilo que o identifica enquanto um grupamento social homogêneo, com linguagens e referências próprias. Festas como o São João e o carnaval, que no Brasil adquiriram status extraordinariamente significativo, tem sido vilipendiadas com a adesão de pretensos agentes culturais alienígenas mancomunados com políticas públicas mercantilistas sem o menor compromisso com a identidade de nosso povo, de nossas festas, e por que não, de nossas melhores tradições, no sentido mais progressista da palavra.
Sempre digo que precisamos valorizar os conceitos, para que a arte não se dilua em enganosas jogadas de marketing. No que se refere ao papel de uma secretaria ou qualquer órgão público, entendo que seu objetivo primordial seja o de fomentar, preservar e difundir a cultura de seu estado, muito mais do que simplesmente promover eventos de entretenimento fácil com recursos públicos. É preciso compreender esta diferença quando se fala de gestão de cultura em nosso país.
Defendo democraticamente qualquer manifestação artística, mas entendo que o calendário anual seja largo o suficiente para comportar shows de todos os estilos, nacionais ou internacionais. Por isso apóio a iniciativa de Chico em evitar que interesses mercadológicos enfiem pelo gargalo atrações que nada tem a ver com os elementos que fizeram das festas juninas uma das celebrações brasileiras mais reconhecidas em todo o mundo.
Lembro-me que da última vez que encontrei o mestre Luiz Gonzaga, num leito de hospital, este me pedia aos prantos: “não deixe meu forrozinho morrer”. Graças a exemplos como o de Chico César, o velho Lua pode descansar mais tranquilo. O forró de sua linhagem há de permanecer vivo e fortalecido sempre que houver uma fogueira queimando em homenagem a São João.
Alceu Valença