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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Uma letra - O quereres - Caetano Veloso



Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock?n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em ti é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente impessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim

Discos da Minha Vida - Tragic Kingdom - No Doubt


Quem vai escutar esse disco esperando encontrar mais sons como o de “Don’t Speak”, não acha nada parecido... de fato, no disco “Tragic Kingdon”, do No Doubt, essa música, que tocava direto nas rádios lá pelos idos de 1995/96 é completamente diferente . É uma baladinha romântica que aparece no meio de um disco cheio de Punk Rock, Reggae e Ska, mas também até elementos Disco, com Gwen Stefann (uma loira louca que disse que pirava quando estava no palco e olhava pra baixo e via o tanto de garota que, como ela, tacava tanta tinta no cabelo que eles estavam caindo...) com uma voz meio de bêbada, como quem canta com um abuso, mas com uma tonalidade incrível, meio rouca algumas vezes, outras gritando feito louca.

Aliás, quem não conhecia a banda, a julgar pela capa do disco, não se pode esperar que seja exatamente um disco romântico: uma árvore seca, frutas podres, moscas e um campo completamente desertificado, dando conta de um “reino trágico” realmente.
Mas olhando de perto, muitas das músicas têm letras românticas, mesmo que a letra venha acompanhada com uma batida forte de rock, completamente diferente da que don’t speak apresenta (que dá até pra dançar de rostinho colado). E também, nas letras, verifica-se a dor de alguém que foi abandonado, que está puto da vida, alguém que acusa o outro, que vai se vingar, que tentou de tudo, que quer acabar com o que está vivendo...

O disco da banda californiana, é de 1995 e é também, sem nenhuma dúvida, daqueles que salvaria do Titanic, porque mistura, além dessas tendências que falei acima, elementos circenses, com a batida de caixa e trombones, trompetes, piano, Cítaras, muita bateria e a marcação sempre presente de guitarras, sobretudo quando tende ao Ska.

É disco para ser ouvido toda hora. De bom humor dá vontade de dançar. De mal humor dá vontade de gritar as letras que são, algumas vezes, furiosas.
Lembro também que (novamente) quem me apresentou à banda foi meu grande amigo Breno, e ouvíamos muito durante a faculdade. Hoje, tenho sempre à mão para escutar no carro. É ótimo para dirigir.

Destaco, entre todas, “Excuse-me Mr.”(Punk Rock pesado), “Just a Girl”, “Different People”, “Sixteen” (que emenda de um jeito absurdo em “Sunday Morning” – que dá vontade de sair pulando, dançando reggae...), “You can do it” (por causa de uma batida disco, muito diferente...) e “World Go ‘round”.

É disco que vale a pena ouvir do começo ao fim, por causa de ritmos que se alternam mesmo dentro da mesma faixa, por causa da voz marcante de Gwen, e de letras muito bem construídas, fáceis, mas profundas, falando de amor, de vida, de agonia, de busca de força, de juventude transviada...

Estaria salvo de qualquer tsunami, na minha opinião. Vale muito a pena escutar.

Los Hermanos - Recife - 15 de Outubro de 2010


Dessa vez não tem foto. Não tem foto porque simplesmente não tinha condições de se chegar na frente do palco. Los Hermanos fizeram uma apresentação histórica, emocionante e apoteótica, para dizer o mínimo. E eu estava lá. Eu e os meus hermanos, junto com uma galera agradabilíssima.

Como resolveram fazer apenas dois shows no nordeste, Recife não poderia ficar de fora, tendo em vista que foi verdadeiramente lá, durante o Abril Pro Rock que a banda teve, no mesmo lugar – Centro de Convenções – em que se apresentaram neste dia 15, a certeza de que a carreira da banda tomava um rumo que nem eles mesmos imaginavam. Se era uma homenagem à cidade por causa disso, muito maior a homenagem que Recife fez, desde muito antes de começar o show, à banda.

Qualquer música que era entoada por um pequeno grupo, logo estava sendo cantada por toda a audiência. E de forma ensurdecedora. E foram várias antes da banda entrar no palco. Emocionante. Seguidamente, “O vencedor” (que virou meio hino da banda) foi cantada antes que os barbudos entrassem...

Quando a banda entrou, com duas horas de atraso – motivado por uma desorganização absurda na entrada do espetáculo, que tinha uma fila enorme para receber os ingressos de quem tinha comprado pela internet, Rodrigo Amarante olhou pra platéia e pediu paciência por causa do aperto. Era muita gente, muita mesmo. Não tinha como sair do lugar e, quem saísse, não conseguia mais voltar.

Mesmo o som estando bom (fora umas falhas pontuais no meio do show...), os caras inspirados, tinha hora que a platéia definitivamente abafava a possibilidade de ouvir qualquer coisa de som que vinha do palco. O show estava sendo feito da platéia para o palco. Marcelo Camelo, parou, na terceira música é disse: “Cara, vocês são foda! Vocês são foda!”. E Recife é mesmo. 18 mil pessoas feito sardinhas em uma lata, cantando emocionadas.

Deu pra perceber que Rodrigo Amarante está mais louco do que nunca e que Marcelo Camelo está bem forte, parece nem lembrar mais aquele magro esguio do começo da banda. Mas é certo o toque de Midas do primeiro na musicalidade da banda e a poesia rasgada de romantismo do segundo. Medina leva um som que compõe com a guitarras dos dois primeiros e Barba, que não acompanha a qualidade sonora dos seus colegas, faz a cozinha de maneira básica.

O setlist contou com todas as top da banda, entrelaçando os três últimos discos, somando-se “Pierrot”, do primeiro. Jogaram confetes em "Todo Carnaval tem seu Fim" e terminaram com “A flor”, com um povo gritando enlouquecido, e palavras de Camelo, dizendo estar sem palavras...

Uma hora e quarenta e cinco de muito som, de um delírio, provando que a banda teria tudo, se quisesse, para retornar ao trabalho junta, porque, segundo eles mesmos, ainda continuam jogando baralho juntos... E dá uma tristeza enorme ver aquele povo todo (eu também, com meus hermanos também...) tem que procurar coisas diferentes pra substituir o lugar que estaria reservado para os próximos discos da banda. Saiu todo mundo alegre pelo que viu e triste pelo que não vai ver... Nem vontade de ficar pra ver a outra bandinha tocando deu.

Fomos todos embora, com a sensação de que teremos que esperar (por quanto tempo?) novamente, que eles abusem de estarem sozinhos e queiram, de novo, contemplar seu público com seu retorno ou mesmo com uma outra apresentação como esta, apenas para deixar mais viva ainda a sensação de que ninguém tomará – não que eu conheça, por enquanto – o seus lugares.