Tema de alta relevância política, a música também tem cuidado, aqui e ali, de passar mensagens de preocupação com o meio ambiente. Como muitos dos compositores e cantores também são formadores de opinião, acabam sendo partícipes de construções musicais que mostram a transformação do planeta, a voracidade do homem sobre os recursos naturais, a poluição crescente e desenfreada das cidades e a guerra eterna que é travada, todos os dias, da evolução humana contra a preservação ambiental.
Desse modo, a música, ainda que de maneira poética, serve de alerta para a diuturna tarefa humana (esquecida) de preservação da terra para os nossos filhos e netos.
Pra começar, Lenine e Lula Queiroga (em Labiata) expressam preocupação com as manchas de óleo das praias e dos rios... talvez motivados pela sempre presente possibilidade de que aconteça desastres do tipo no Porto do Recife ou no Capibaribe. “Mancha” é o nome da música:
“A mancha vem comendo pela beira
O óleo já tomou a cabeceira do rio
E avança
A mancha que vazou do casco do navio
Colando as asas da ave praieira
A mancha vem vindo
Vem mais rápido que lancha
Afogando peixe, encalhando prancha
A mancha que mancha,
Que mancha de óleo e vergonha
Que mancha a jangada, que mancha a areia”
Outra música muito bem construída é “Absurdo” de Vanessa da Mata, que observa, de maneira abismada, do quanto havia de belo, oferecido gratuitamente pela natureza, e o quanto à capacidade de destruição humana transforma as paisagens, desertifica, consume o meio ambiente.É uma ode à ignorância humana:
"Havia tanto pra lhe contar
A natureza
Mudava a forma o estado e o lugar
Era absurdo
Havia tanto pra lhe mostrar
Era tão belo
Mas olhe agora o estrago em que está
(...)
Destruição é reflexo do humano
Se a ambição desumana o Ser
Essa imagem infértil do deserto
Nunca pensei que chegasse aqui
(...)
Havia tanto pra respirar
Era tão fino
Naqueles rios a gente banhava
Desmatam tudo e reclamam do tempo
Que ironia conflitante ser
Desequilíbrio que alimenta as pragas
Alterado grão, alterado pão
Sujamos rios, dependemos das águas
Tanto faz os meios violentos
Luxúria é ética do perverso vivo
Morto por dinheiro
Cores, tantas cores
Tais belezas
Foram-se
Versos e estrelas
Tantas fadas que eu não vi
Falsos bens, progresso?
Com a mãe, ingratidão
Deram o galinheiro
Pra raposa vigiar"
Dessa turma mais nova, ainda temos uma música que, além de ser uma construção excepcional (já tive oportunidade de falar sobre ela) também tem uma temática ambientalista denuncista, sobretudo na descrição da ação nefasta do homem sobre a natureza, que ignora a necessidade de preservação do meio para as futuras gerações. Chama-se “Tá”:
"Pra bom entendedor, meia palavra bas-
Eu vou denunciar a sua ação nefas-
Você amarga o mar, desflora a flores-
Por onde você passa, o ar você empes-
Não tem medida a sua ação imediatis-
Não tem limite o seu sonho consumis-
Você deixou na mata uma ferida expos-
Você descora as cores dos corais na cos-
Você aquece a Terra e enriquece à cus-
Do roubo, do futuro e da beleza augus-
Mas do que vale tal riqueza? Grande bos-
Parece que de neto seu você não gos-
Você decreta a morte, a vida indevis-
Você declara guerra à paz por mais bem quis-
Não há em toda fauna um animal tão bes-
Mas já tem gente vendo que você não pres-
Não vou dizer seu nome porque me desgas-
Pra bom entendedor, meia palavra bas-"
Também Beto Guedes, há bem mais tempo, em 1998 cantou, de maneira bem poética e talvez menos denuncista, a necessidade de uma preocupação global acerca da questão ambiental:
“Terra, és o mais bonito dos planetas
Tão te maltratando por dinheiro, tu que és a nave nossa irmã
Canta, leva tua vida em harmonia
E nos alimenta com teus frutos, tu que és do homem a maçã
Vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois
Prá melhor juntar as nossas forças é só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora para merecer quem vem depois”
Mas não é só. Ainda que a temática, politicamente, seja cíclica, já tínhamos o Rei Roberto Carlos, em 1989, Cantando “Amazônia”, clamando pela proteção do então chamado “pulmão do mundo”, no disco de mesmo nome:
“Sangue verde derramado
O solo manchado
Feridas na Selva
A lei do machado
Avalanches de desatinos
Numa ambição desmedida
Absurdos contra os destinos
De tantas fontes de vida
Quanta falta de juízo
Tolices fatais
Quem desmata, mata
Não sabe o que faz
Como dormir e sonhar
Quando a fumaça no ar
Arde nos olhos de quem pode ver”
E ainda antes, em 1983, o taperoense Vital Farias canta a Amazônia. Tempo em que nem existia pauta de discussão sobre o tema no Brasil. Vital foi diversas vezes ainda na década de 70, 80 e 90 àquela Região com o intuito de conhecer o projeto “Jari” (para extração em larga escala de celulose) e já encontra grileiro, posseiro, índio e branco lutando uns contra os outros, matando a floresta:
"Toda mata tem caipora para a mata vigiar
veio caipora de fora para a mata definhar
e trouxe dragão-de-ferro, prá comer muita madeira
e trouxe em estilo gigante, prá acabar com a capoeira
Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar
prá o dragão cortar madeira e toda mata derrubar:
se a floresta meu amigo, tivesse pé prá andar
eu garanto, meu amigo, com o perigo não tinha ficado lá
No lugar que havia mata, hoje há perseguição
grileiro mata posseiro só prá lhe roubar seu chão
castanheiro, seringueiro já viraram até peão
afora os que já morreram como ave-de-arribação
Zé de Nata tá de prova, naquele lugar tem cova
gente enterrada no chão:
Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro
disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro
roubou seu lugar."
E por fim, e para comprovar que a sensibilidade sobre questões ambientais já povoava a preocupação de gênios de todos os estilos, O “Xote Ecológico” do Poeta de Exú, no final da década de 80 já antevia a degradação ambiental provocada pela poluição, engolindo o verde da mata, matando os peixes e a própria terra.
Vaticina (ainda que de maneira indireta) também Gonzagão, que a questão ambiental faz parte de um sistema extremamente perigoso, pois mata não só os recursos ambientais, mas também as pessoas que se envolvem diretamente com tais questões de preservação ambiental(como também em Vital). Até hoje, inclusive – Nada mais atual!:
"Não posso respirar, não posso mais nadar
A terra está morrendo, não dá mais pra plantar
Se planta não nasce se nasce não dá
Até pinga da boa é difícil de encontrar
Cadê a flor que estava aqui?
Poluição comeu.
E o peixe que é do mar?
Poluição comeu
E o verde onde que está ?
Poluição comeu
Nem o Chico Mendes sobreviveu"
Prá variar, a excelência das palavras e do pensamento se repetem em Demetrius Leão. Genial na propositura, adequado nas idéias, Demetrius nos lembra que, à força do verso e do som, nosso meio também está presente na dança. E pode, eventual e literalmente...dançar. Perfeito.
ResponderExcluirAdemir Leão
Professoooor, interessante vê-lo como um "expert" (rsrs) em música. Adorei
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