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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

"Construções" diferentes...


Outro dia, enquanto ouvia "Formato mínimo" do Skank (aliás num disco muito bom dessa banda que não canso de escutar, sobretudo pelo que os integrantes da banda conseguem escrever) me lembrei que aquela idéia de construir os versos terminando sempre com proparoxítonas não era exatamente original: fazia lembrar automaticamente "Construção" de Chico.

E, são, guardadas as devidas proporções do que Samuel Rosa ainda tem que crescer para chegar a Chico, temos duas idéias expostas de maneira genial e que, coincidentemente, falam de relação amorosa: O amor de Chico que sucumbe frente a uma rotina que gradativamente mata (pelo príncipe, pródigo, bêbado, tráfego, náufrago, flácidas...) e o amor de Samuel, interpretado de maneira diferente pelos que se amavam (ele, que procurava a próxima, oferecia ácido, procurava álibis, sucumbia ao pânico e procurava uma transa típica - o amor em seu formato mínimo e ela, que procurava um príncipe, reparava nas vírgulas, flutuava lépida e descansava lívida, despertou-se tímida, feita do desejo a vítima.

Pelo amor de Chico:

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Pelo de Samuel:

Os lábios se tocaram ásperos
Em beijos de tirar o fôlego
Tímidos, transaram trôpegos
E ávidos, gozaram rápido
Ele procurava álibis
Ela flutuava lépida
Ele sucumbia ao pânico
E ela descansava lívida

Mas também me lembrei de outras construções interessantes no que diz respeito à fuga das formas usuais de fazer a letra das canções.

De fato, "Cadê teu suin" do Los Hermanos (Marcelo Camelo)é genial, a última palavra do verso se emenda com o outro verso, como eu nunca vi em outra letra:

Cadê teu repi
quem é teu padrin
onde é que tu to
Cadê teu suin?
guitarra não po
desista mole
quem é que te indi
cadê teu suin?
com que sobreno
melhor ir sain
dou nem mais minu
to nem mais
Ainda tem a cora
gentinha atrevi
da cá sua vi
da cá seu suin
guilhotina?

De outra maneira também bem peculiar e que eu nunca tinha visto, é a composição de Pedro Luis e Mariana Aydar em "tá?", música que denuncia de maneira poética a degradação do planete pela ação humana. A música em si é baseada num jargão que diz que "pra bom entendedor meia palavra basta". Apegado no jargão (e também no refrão que é esse também), todos os versos terminam com a última palavra pela metade (se meia palavra basta, então...) e a coisa ficou completamente inovadora e incrivelmente simples, ao mesmo tempo que impensável:

Pra bom entendedor, meia palavra bas-
Eu vou denunciar a sua ação nefas-
Você amarga o mar, desflora a flores-
Por onde você passa, o ar você empes-
Não tem medida a sua ação imediatis-
Não tem limite o seu sonho consumis-
Você deixou na mata uma ferida expos-
Você descora as cores dos corais na cos-
Você aquece a Terra e enriquece à cus-
Do roubo do futuro e da beleza augus-
Mas do que vale tal riqueza? Grande bos-
Parece que de neto seu você não gos-
Você decreta a morte, a vida indevis
Você declara guerra à paz por mais bem quis-
Não há em toda fauna, um animal tão bes-
Mas já tem gente vendo que você não pres-
Não vou dizer seu nome porque me desgas-
Pra bom entendedor, meia palavra bas-

E, lembrei, por mais recente, de uma música do disco novo do Zeca Baleiro, "Débora", onde além dos recursos de combinar as proparoxítonas no final dos versos, o maranhense também faz uso de aliterações, reforçando o som consonantal de algumas palavras (sempre com muito bom humor, como é característica do Zeca):

Débora, és uma víbora
Sai da minha aba, vagaba
Para com esse mantra, pilantra
Chega de caô, ô , ô
Tu não me engana, mana
Sei que fui um trouxa, poxa
Mas agora chega, nêga
Cínica, fui bater na clínica
Fiquei no osso, moço
Melhor que te afaste, traste
Nem vem que não tem, neném
Sei que fui babaca paca
Vou picar a mula, chula
Cansei de ser besta, basta

São construções que não são muito comuns de aparecer não, e quando acontecem, acabam por chamar a atenção de maneira peculiar, sobretudo porque o modo de pensar desses compositores tem sempre que acontecer também de modo completamente inovador, que faz variar não só como os versos são feitos, mas também como a melodia da música tem que ser montada para contemplar as potencialidades de quem assim escreve.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Uma letra - Balada do Cachorro Louco - Lenine


Eu não alimento nada duvidoso
Eu não dou de comer a cachorro raivoso
Eu não morro de raiva
Eu não mordo no nervo dormente

Eu posso até não achar o seu coração
E talvez esquecer o porquê da missão
Que me faz nessa hora aqui presente

E se a minha balada na hora h
Atirar para o alvo cegamente
Ela é pontiaguda
Ela tem direção
Ela fere rente
Ela é surda, ela é muda
A minha bala, ela fere rente

Eu não alimento nenhuma ilusão
Eu não sou como o meu semelhante
Eu não quero entender
Não preciso entender sua mente

Sou somente uma alma em tentação
Em rota de colisão
Deslocada, estranha e aqui presente

E se a minha balada na hora então
Errar o alvo na minha frente
Ela é cega, ela é burra
Ela é explosão
Ela fere rente
Ela vai, ela fica
A minha bala ela fere rente

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Zeca Baleiro - Garden Hotel - Campina Grande


“Se a bebida tivesse liberada aqui dentro, a galera ia subir no palco e colocar o Zeca nos braços!”

Foi o que eu comentei com o amigo Jobson, sentado bem na minha frente, logo na primeira música (“meu amor minha flor minha menina”). Foi quase automático. O auditório do centro de convenções do Garden Hotel se transformou numa verdadeira apoteose. E foi um sambódromo algumas vezes, em outras um festejo com as matracas maranhenses ou um forró em outras partes, um terreiro de candomblé em outras, e um festival de rock ou reggae, ainda em outras. E tudo promovido pelo mesmo Zeca Baleiro.

E tudo foi assim do começo ao fim. Uma grande farra. Se é sempre muito bom sentir quando a platéia está encantada com o que está sendo apresentado no palco, com dedicação, com força, com profissionalismo e com prazer, é muito melhor quando é possível perceber essa dedicação de maneira tão simples como foi no show desse sábado, dia 24 de julho, aqui em Campina Grande.

De fato, Zeca Baleiro é um maranhense ilustre que eu tive oportunidade de ver a primeira vez ao vivo lá, no Maranhão, no teatro Arthur Azevedo, colonial, lindo. Já conhecia alguma das suas músicas, mas a partir daí tudo foi muito mais importante pra mim.

Junto com Lenine, acho que são os dois mais expressivos nomes da música popular masculina contemporânea brasileira. De fato, Zeca, como o pernambucano, tem uma capacidade de criação que é renovada a cada disco, o que também fica muito claro nos seus shows, sempre renovados, mas sempre com músicas impressionantes, com um ritmo que vai da embolada de coco paraibano, às matracas da cultura maranhense, ao forró, ao samba, ao folk, ao lirismo, ao cancioneiro, às baladas.

Junte-se a tudo isso um enorme senso de humor, que faz de suas canções completamente singulares, utilizando termos incomuns, outras vezes até chulos mesmo, coisas bem intrigantes para as poesias e que só ele mesmo para fazer. No novo disco manda a maluca “se danar” (Você não liga pra mim), diz que “esse camarada se androginou” (Bola Dividida), “vontade que dá de mandar o cara tomar naquele lugar...”(Toca Raul) ou então diz (em “Débora”), que foi “babaca paca” e “... vou pra Cancun, teu 171 não me pega mais...” e também diz que “... a prainha degringolou, ta cheio de gringo lá”.
Além disso, diferenciando-se dos outros discos, no atual é bem notável uma presença marcante dos metais em várias músicas, além de umas vinhetas que se espalham por todo o disco (ou os dois discos, já que “O coração do Homem Bomba” tem dois volumes).

Durante o show, Babylon, Meu amor minha flor minha menina, Alma Nova, Salão de Beleza, Alma não tem cor, Lenha, Você não liga pra mim, Bandeira, Samba do Aproach, Toca Raul, Proibida pra Mim, Versos Perdidos, Bienal, Telegrama, Eu despedi o meu patrão, Você é má, indo ainda em Vital Farias (com Margarida) e Geraldo Azevedo (Bicho de Sete cabeças) e por aí foi se desenrolando o show de maneira espetacular.
Algumas faltas foram sentidas, pelo menos por mim, como Minha casa, Comigo, Meu amor meu bem me ame, Disritmia, Dezembros, Stephen Fry, entre outras. Mas mesmo assim, seria uma escolha bem difícil frente ao setlist do show. Impecável.

E tudo isso só mostra a maturidade de um artista que se renova a cada obra, que se dedica à composições com letras interessantes, criativas, bem-humoradas, que cativam a todos, aliadas à musicalidade que mistura influências de todo o nordeste brasileiro, numa levada dançante e envolvente algumas vezes, num romantismo falado de maneira comum em outras, em histórias de humor em outras ainda, o que mostra que já tomou definitivamente o seu lugar no cenário nacional, sendo referência cultural para o Brasil inteiro.